Sabe-se
que todas as experiências que perpassam a vida do indivíduo contribuem para que
ele vá se constituindo enquanto sujeito de múltiplas identidades (STUART HALL,
1999). As vidas escolar e acadêmica também são partes importantes da vivência
de muitas pessoas. Nesse memorial a ênfase será dada a esses dois âmbitos, não
que isso impossibilite que outros dados de experiências externas a esses dois
meios venham aparecer. Segundo Stuart Hall (1999) o que antes – na modernidade
– era compreendido como sujeito único, hoje passa a ser sujeito múltiplo, não
portando somente uma identidade, porém “identidades”, elas não são fixas, são
contraditórias, fragmentadas, plurais, móveis, descentralizadas e deslocadas. É
a partir do outro que nos reconhecemos, sob um ponto de vista bakhtiniano
sabemos que só é possível criar uma imagem de si mesmo, a partir da imagem que
os outros fazem de nós, daí a nossa natureza essencialmente social.
Baseada nas
leituras dos autores citados acima compreendo que não tenho uma identidade
única, fixa, mas que vou modificando a cada momento e que toda e qualquer
experiência que perpassa minha vida, me influencia e me torna um sujeito em
constantes mudanças. Apropriando-me da canção de Raul Seixas, sou totalmente a
favor de ser “essa metamorfose ambulante” e estar constantemente me refazendo,
me redescobrindo e mudando de ideia, prefiro isto a “ter aquela velha opinião formada
sobre tudo”. Então, é a partir de múltiplos olhares – o meu, juntamente com
contribuições dos de alguns familiares – que farei um breve apanhado de
experiências, fazendo um recorte da minha trajetória educacional.
O ano do meu nascimento foi 1992. Ano marcado por
manifestações de rua cada vez mais expressivas, que isolavam – política e
socialmente – o governo Collor. Em setembro de 1992, o Congresso Nacional
decidiu-se pela aprovação do impeachment do presidente Collor de Mello. Contudo
para evitá-lo, o presidente renunciou em 30 de dezembro. “Foi a primeira vez na
história republicana do Brasil que um presidente eleito pelo voto direto era
afastado por vias democráticas, sem recurso aos golpes e outros meios ilegais.”
(História do Brasil. Disponível em:<
http://migre.me/hsY99>
acesso em 16 jan 2014). Foi em meio a esse contexto político que nasci.
Primeira filha de um casal casado há cinco anos, fruto de uma gravidez
planejada, ambos já haviam cursado o ensino superior, moradores de Nova Iguaçu,
uma das cidades mais populosas da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
Meu pai era contador há aproximadamente sete anos,
formou-se primeiro em técnico de contabilidade e depois cursou ciências
contábeis na graduação. Minha mãe há aproximadamente dez anos era professora
das séries iniciais, concursada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro e
também professora de inglês em cursos e escolas particulares. Ela havia feito
curso normal e depois faculdade de letras (português/ inglês), além da formação
de professores do “CCAA”. Quando nasci, minha mãe cursava a segunda graduação,
essa era em música. Em 1993, ocorreu entre familiares e amigos uma comemoração
ao meu primeiro ano de idade e o de minha prima, Ana Paula, que faz aniversário
alguns dias após o meu, a festividade tinha por tema “festa no céu”.
Eu com apenas um aninho
Em 1994, minha mãe vivenciava a segunda gestação, era
do meu primeiro e único irmão, Timóteo, que nasceu em julho do ano seguinte. O
ano de 1995, foi o meu primeiro em uma instituição escolar, cursei o Jardim I
no “Jardim Escola Jeitinho do Fazer”, bem próximo a residência que morávamos e
moramos até hoje. Lembro-me do primeiro dia de aula, não chorei como algumas
crianças fizeram. Ao entrar na escola, sentei-me em um cantinho do pátio e logo
fui convidada por uma professora a participar da brincadeira, pois algumas
crianças estavam brincando no parquinho.
Desse meu primeiro ano escolar tenho muitas
lembranças, além dos fatos que relatei acima, recordo-me da professora (chamada
de tia) Elisângela – morena de cabelos longos cacheados e sorrisão no rosto –,
do uniforme azul e branco; lembro-me de três amigos, Jonathan e as irmãs gêmeas
Bibi (Gabriela) e Cacá (Carolina) – que há pouco tempo tive a oportunidade de
encontrá-los na rua, reconhecê-los, mas a vergonha não permitiu que eu me
aproximasse para falar ou cumprimentar. Lembro-me também das brincadeiras:
“meus pintinhos venham cá” – essa era a minha preferida –, “atirei o pau no
gato”, em dia de calor nossa brincadeira era tomar banho de piscina e de
mangueira. O ambiente era bem alegre e harmonioso. Na sala de aula tínhamos
atividades de pintura, de cobrir pontilhados e criávamos um monte de coisas com
massa de modelar, o espaço era todo enfeitado com nossos desenhos e produções
artísticas. No dia das mães a lembrança foi uma foto individual, num quadro
pequeno, passaram batom na minha boca e pediram pra eu sorrir, o sorriso saiu
forçado, mas o presente existe até hoje.
Em 1996 meus pais me transferiram para outra escola,
um pouco maior que a primeira, mas também próxima da nossa casa. Cursei o
Jardim II no “Jardim Escola Vovó Eny”. O uniforme era branco e vermelho. A
professora chama-se Viviane – vinte e poucos anos, magra corpo violão, cabelos
cacheados cortados em “U” até o meio das costas. A sala de aula era bem maior
que a que eu havia estudado no ano anterior e nela havia um banheiro de duas
portas que dava acesso à outra sala de aula, a da turma da tia Neusa – negra,
alta e magra, usava óculos – essa era uma professora bem divertida, nossas
turmas ficavam juntas no lanche e nas brincadeiras do recreio. Nessa escola
também tomávamos banho de mangueira em dias quentes, lembro-me da tia Neusa com
a mangueira na mão gritando: “olha a chuva” (jogava água em todos nós), “é
mentira” (tirava o jato de água da nossa direção). Das amizades do Vovó Eny só
lembro de uma coleguinha chamada Débora. Um dia ela me emprestou um bipe e
disse que podia levar, minha mãe brigou tanto quando me viu chegar a casa com
um objeto que não era meu. No dia seguinte ela foi à escola saber o que tinha
acontecido e tudo se resolveu. A escola tinha um ônibus que funcionava de
transporte escolar, mesmo minha casa sendo perto eu precisava de alguém me
levasse e buscasse e era por esse transporte que ia e voltava da escola para
casa todos os dias.
Eu no meu aniversário de três anos
O ano da minha alfabetização foi em 1997, nesse, mais
uma vez meus pais optaram pela mudança da instituição escolar que eu estudaria,
então passei a estudar no “Colégio Afrânio Peixoto”, cursando o antigo C.A.
(classe de alfabetização). Minha professora chamava-se Andrea Bastos – alta,
cheinha de cabelos cacheados –, ela usava a cartilha da “Coleção Eu Gosto” para
alfabetizar a turma com menos de dez alunos, acredito que ela conseguiu êxito.
No ano seguinte eu já estava lendo, escrevendo e indo para a 1ª série do Ensino
Fundamental, permaneci nesse colégio até a terceira série. O colégio era
bastante grande, tinha alta estrutura e muitos anos de funcionamento. Situado
no Centro de Nova Iguaçu, indo da educação infantil ao ensino médio. Com
formações de cursos técnicos em enfermagem e informática. Tinha de tudo:
laboratório de informática, cantina, jardim, chafariz, três quadras, parquinho,
biblioteca – que só vivia fechada – viveiros – de coelhos, outro de pássaros –
etc. Mas era possível perceber que o espaço precisava de reforma em algumas
partes específicas
Na primeira série eu tinha uma mochila do Michey,
amarela arredondada, com dois olherões pretos e uma merendeira rosa, da
Angélica. Cada disciplina era ministrada por uma professora diferente. Tia
Izabel ensinava português, tia Rosângela matemática, Tia Helena estudos sociais
e educação artística, tia Adriana ciências e educação física e a tia Roseni
dava aulas de inglês a todas as turmas, na salinha do curso. Eu estudava de
manhã e também dependia de transporte escolar. À tarde, duas vezes por semana, eu
ia à escola municipal de música, em Nilópolis, onde minha mãe trabalhava dando
aulas de música, eu fazia musicalização infantil, que é um curso voltado para o
ensino de música à crianças. Tínhamos – nossa turma – uma banda de instrumentos
musicais de percussão, também aprendemos a tocar algumas músicas na flauta doce
e aprendemos a ler as notas na clave de sol.
Nos anos 2000, o curso “CCAA” fez uma parceria com o
colégio, os alunos nos seus tempos de aula de inglês iam para uma sala
diferente – que foi projetada e feita nos moldes de uma sala padrão do curso,
com ar condicionado, computador, cadeiras acolchoadas etc. – e estudavam como
se estivessem indo ao curso de inglês, com material didático específico e
professor especializado.
Somente no ano seguinte mudei de escola, estudei no
Colégio Afrânio Peixoto por quatro anos, mas infelizmente ele se viu obrigado a
fechar, o dono já era um senhor de quase noventa anos – Ruy Afrânio Peixoto – e
depois da sua morte seus filhos decidiram alugar o espaço escolar e não dar
continuidade ao funcionamento da escola. Com isso, fui estudar no “Centro
Educacional Aragão Torquato”, fiz a minha quarta série lá, lá também fiz muitos
amigos e permanecem as amizades até os dias de hoje. As professoras chamavam-se
Fátima e Alcione, elas se dividiam para dar todas as disciplinas, com exceção
das aulas de inglês, dadas pela professora Elisabeth.
Em todos esses anos, meu irmão me acompanhava nas
escolas que eu estudava, iniciando seus estudos no Colégio Afrânio Peixoto. Mas
em 2003, a situação financeira da minha família não priorizava mais os nossos
estudos em escolas particulares, com isso, meu irmão e eu fomos estudar em
escolas públicas distintas, eu no “Colégio Estadual Dom Adriano Hipólito” e ele
na “Escola Municipal Júlio Rabelo”. Nesse ano, deixei de estudar na escola de
música e passei a me dedicar ao teatro, na “Escola Municipal de Teatro
Jornalista Tim Lopes”, além de iniciar um curso de informática. Assim como na
escola de teatro, estudei no Dom Adriano Hipólito por dois anos, e já não
aguentava mais. As turmas tinham mais de cinquenta alunos, as salas eram
pequenas e muito quentes e eu não tinha muitos amigos por lá, no primeiro ano
eu tinha a companhia da minha prima, Ana Paula, mas no segundo ela não estudava
mais comigo. Foi então, que eu pedi ao meu pai que me transferisse à outra
escola pública que oferecia melhores condições. Conheci essa escola por meio de
comentários de uma amiga, que dizia que sua prima estudava lá, era a “Escola
Estadual Mestre Hiram”. Deixei o teatro por motivos que nem lembro ao certo,
mas acho que era coisa da minha mãe que não me queria ver fazendo testes pra
Globo e visando possibilidades de trabalhos tão sérios.
Meu irmão e eu
No ano de 2005, meu pai concordara com minha ideia de
mudança de escola e eu fui matriculada no Mestre Hiram, uma escola pequenininha
no Centro de Nova Iguaçu, em frente a uma praça da Via Light, muito
aconchegante. A escola era tão diferente da que eu estudava anteriormente. No
máximo trinta alunos por turma e as salas tinham ar condicionado, um luxo pra
época, pois escola pública nenhuma (da cidade) oferecia isso. Lá fiz grandes
amigos, que continuam ao meu lado até os dias de hoje. Lá também conheci meu
primeiro namorado. Foram uns dos meus melhores anos escolares.
Lembranças da Escola Mestre Hiram
Em 2007 era a hora de ir para o ensino médio, a escola
que eu estudava não possuía tal nível de escolaridade, e nós, amigos que nos
víamos todos os dias, sabíamos que já não seria mais assim. Eu decidi fazer
formação de professores no “Instituto de Educação Rangel Pestana”. Um colégio
muito grande, também localizado no Centro de Nova Iguaçu. Alguns amigos foram
para lá também, mas por ser um colégio muito grande, não conseguimos ficar nas
mesmas turmas. Só de turmas de 1º ano do Curso Normal eram 10, em 2007.
Churrasco de confraternização na minha casa, com os amigos do Mestre Hiram no nosso primeiro ano separados por escola
Foram quatro anos bem vividos da minha vida. Nesses
anos já não estudava mais inglês, mas ingressei em escolas de dança e me
dediquei ao balé, concomitantemente na igreja atuava com danças livres. Em meados do 1º ano comecei a namorar, aquele
menino que havia conhecido lá trás, na 7ª série. Nesse mesmo ano curti uma
super festa de 15 anos que minha família se dedicara a organizar para mim, tive
tudo que tem direito, troca de vestidos, valsa, príncipe, filmagem, fotografia,
clipe, damas e uma lista de 300 convidados, dos quais apareceram 279. No 2º
ano, mudei de turno, fui estudar de manhã, separei-me da turma que eu tanto
amava, a 1004, mas fiz novos amigos na turma 2010. Lá estudei com uma grande
amiga que fazia curso de inglês comigo. No terceiro ano, já dominava bem os
mecanismos do curso normal, fazia estágios, relatórios com mais facilidade e
articulava bem o meu tempo de dedicação aos trabalhos escolares em casa.
Galera do Normal em um passeio à Fortaleza de Santa Cruz
O 4º ano foi o primeiro e único ano que não fui
representante de turma. Pois não me elegi, já estava cansada de tanta
sobrecarga de trabalho e responsabilidades que o cargo me oferecia. 2010 foi o
ano da nossa grande formatura. Foi maravilhoso ver aqueles 210 alunos se
formando, divididos em sete turmas. Nesse ano ingressei no pré-vestibular
comunitário, um projeto do qual alunos da UFRJ davam aulas de segunda a sábado
para alunos que se preparavam à graduação. Eu infelizmente quase não ia às
aulas, pois estava sempre me dedicando às tarefas da escola.
Minhas queridas amigas Aniele e Maria Letícia na nossa formatura do Curso Normal em 2010
Contudo em 2011 lá estava eu, vendo meu nome na lista de
aprovados da FEBF/ UERJ, curso de pedagogia, que eu tanto almejava. Queria
mesmo era dar continuidade aos estudos pedagógicos, dos quais me encantei no
Ensino Médio e exercer a profissão de professora. Nesse mesmo ano, iniciei meus
estudos de espanhol, do qual concluí, fui do básico ao avançado, cursando até
as turmas de conversação (2011-2013). No primeiro semestre de 2011 também
consegui um emprego como professora do 1º ano de escolaridade, em uma escola
pequena, localizada em um bairro próximo da minha casa. Mas para trabalhar
nessa escola eram tantas exigências que eu não conseguia ir às aulas da
universidade à noite. Com isso, saí do emprego em meados de 2011 e retornei a
faculdade. Decidi não abandonar mais. E aqui estou, cursando o final do 6º período
de pedagogia, com muitas experiências e maior acúmulo de leituras do que eu
imaginava. Muito bom! Pois isso me deu base para ser aprovada e convocada no
concurso da Prefeitura do Rio de Janeiro, para dar aulas de Educação Infantil,
a partir desse ano, 2014.
Meus queridos amigos José Carlos, professora Aparecida e Cristiane na FEBF
Acredito que 2013 foi um dos anos mais marcantes da
minha vida. Foi nele que ingressei na auto-escola, fui aprovada nas provas
teórica e prática, fui convocada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, tive de me
adaptar ao novo horário de aulas na faculdade, por estudar em um período pós
greve e também tive de aprender a lidar com a separação, pois namorei por seis
anos a mesma pessoa e em abril de 2013, via-me só, vivenciando uma separação.
Contudo, também aprendi a reinventar meu modo de viver e em agosto desse mesmo
ano comecei a namorar o Juan, que é um grande amigo e um grande namorado, que
sabe conversar, aconselhar e está sempre do meu lado, é carinhoso, presente e
autentico em tudo que faz, acho que foi isso que me fez me apaixonar por ele.
Juan e eu
Esse foi um breve relato da minha trajetória. Espero
que a partir desse, minha história se faça conhecer um pouquinho mais. Foi
muito bom relembrar tantos momentos e melhor ainda, registrá-los, para que não
se percam e para que mais adiante a eles sejam acrescentados mais pequenos
passos dessa caminhada. Obrigada pela sugestão de elaborar esse belíssimo
trabalho, professora Tatiane Lemos.
Edyanna de Oliveira Barreto.